Sentamos numa mesa no meio da
praça de alimentação do piso superior de um dos shoppings para uma conversa
pr’além de informal com George Macedo e Ricardo Alencar (os dois rapazes
representando toda a banda), nada mais urbano para um encontro com uma banda
tão citadina, desde os arranjos musicais até os videoclipes, como a banda piauiense Veia Sônica. De
início, um deles já nos revela que nesse âmbito, o musical, para ter espaço é
preciso ter uma postura profissional merecedora desse espaço, que não é a de somente
se preocupar em receber, mas sim em ser pontual, profissional e compromissado.
Formada por George Macedo, voz; Ricardo Alencar, guitarra; Cauê de Lima,
contrabaixo; e Anderson Batista, bateria; os rapazes George e Ricardo nos
contaram como foi ficar tanto tempo com a banda inerte (de shows, claro), dos
dois primeiros trabalhos e que querem ir com a banda aonde nunca conseguirão
chegar. Não entendeu? Se você ler até o fim, é possível que sim.
Banda Veia Sônica (Reprodução) |
Zaboomba: O mercado está preparado para receber o músico profissional?
Para pagar cachês dignos e comportar todo o trabalho dispendioso da banda?
George (voz) e Ricardo (guitarra): Não.
Z: Vocês pararam uma época, certo? O que houve?
G: Eu fui para São Paulo e para fora do país também, fazer
especialização em minha área.
Z: Qual a sua área?
G: Sou médico. Então, fui fazer a minha segunda residência; depois
fui fazer mestrado; estou terminando o doutorado. Devido a esse afastamento de
seis anos a banda parou. Quando eu retornei ao Piauí, nós voltamos com a banda,
então, fomos para o estúdio fazer um novo material, que é esse dos dois novos
videoclipes. Foi o mesmo processo do CD anterior; primeiro fizemos o material,
depois fizemos shows.
Z: Quando houve essa necessidade de parar por seis anos, já se
pensava em continuar com a banda ou houve a opção de não continuar?
G: Olha, para mim não é opção. A Veia Sônica vai existir enquanto
eu viver. Ou tocando numa sala trancado em casa ou fazendo show ela vai
existir, de alguma forma ela vai existir. Não tenho pretensão nenhuma, só se eu
mudar completamente de personalidade ou objetivo de vida.
R: Aconteceu algo interessante que comprova isso. Assim, mesmo sem
saber se íamos voltar, para mim ficou uma história não terminada, uma história
mal contada, por assim dizer. Fiquei com os instrumentos e disse ‘Tenho que
voltar para a banda, tenho que estar lá de novo’. A sensação que eu tinha era
que a banda não tinha acabado. Mesmo sem saber quando voltaria, eu acreditava
que ainda íamos trabalhar, tanto é que não me aventurei muito em outras bandas.
Sou músico e vivo disso, sou guitarrista. Eu trabalhei no comércio, trabalhei
durante sete anos no comércio e o tempo que a banda parou, me dediquei
integralmente ao trabalho informal. Estudava, mas estudava em casa.
G: O nosso compromisso é com a música em si, mas o nosso maior
compromisso mesmo é com o nosso perfeccionismo, porque tanto eu quanto o
Ricardo somos perfeccionistas e gostamos de fazer as coisas melhores do que
podemos baseadas em nosso próprio julgamento.
George Macedo e Ricardo Alencar (Foto: Maria Aparecida Vieira) |
Z: Perfeccionismo é algo que falta para
a banda?
G: Não sei. Acho que perfeccionismo não é uma coisa que se busca,
mas algo que se é. Ou você é perfeccionista ou não, ninguém se torna. Não sei
se é uma vantagem ou desvantagem, porque tem muita gente que tem talento e é
totalmente despreocupado com tudo e nem por isso o resultado dele vai ser ruim.
Por quê? O talento dele supera qualquer falta de compromisso. Não é o meu caso.
Eu sempre batalho muito para fazer a coisa ficar como está em minha cabeça.
Z: O mercado precisa de quê: de um profissional competente ou
talentoso?
G: Não existe sucesso sem trabalho. Não estou falando somente do
sucesso financeiro, mas no sentido de fazer coisas como conseguir manter,
sustentar aquilo ali, a própria banda. Não estou falando de sustentar a vida
com a banda, mas tudo requer trabalho, falta, às vezes, um pouco de foco. Sem
crítica, mas acho que não se pode tocar por qualquer coisa nem aceitar qualquer
tipo de imposição de quem promove eventos. Eu saí por seis anos e as conversas
continuam as mesmas, as reclamações, as dificuldades são as mesmas. Acho que
para as bandas, os artistas, conseguirem o que querem, têm que se focarem mais,
e me incluo nisso também, haver um foco, um compromisso maior com seu próprio
trabalho.
Z: E nesse tempo de seis anos parados, o que alterou na banda,
musicalmente? O que era a banda antes dos seis anos e o que é hoje?
G: Muita coisa mudou. O fato de ser música autoral; vem da
composição, e o ser humano muda em seis anos. Eu componho as músicas da banda e
em seis anos pode-se dizer que eu virei outra pessoa. Em seis anos você
amadurece, eu acabei morando em São Paulo, na França, tive contato com outras
culturas. Eu mudei e o meu modo de compor também mudou de seis anos pra cá.
R: Isso influiu diretamente no resultado do segundo trabalho. Nosso
primeiro trabalho era algo mais guitarra, mais hard, uma coisa mais distorção.
No segundo trabalho, devido a essa influência, esse novo pensamento, essa nova
forma de compor do George fez com que nós buscássemos um novo jeito de tocar os
instrumentos. Tivemos que nos reinventar devido a esse novo padrão de
composição. Então, o segundo CD é um trabalho com mais cuidado. Uma coisa mais
funk, mais elétrica.
G: Nós deixamos o som mais enxuto. Estamos nesse processo de
reinvenção, ou seja, não chegamos aonde queremos ainda.
Z: Querem amadurecer como? Aonde vocês têm que ir?
G: Olha, temos que ir a um lugar que nos agrade, embora nunca
possamos chegar. A palavra é essa, ‘ir’; chegar mesmo acredita-se que não
chegaremos.
Z: E em relação ao som?
G: Acho que nossa próxima meta agora é voltar para o rock, ou seja,
o primeiro CD, a estrutura foi basicamente rock; o segundo CD, pela influência
desse meu contato com outras culturas, mudou a minha forma de escrever.
R: De certa forma, cada integrante da banda, nesse segundo
trabalho, foi desafiado a fazer uma coisa diferente. Por exemplo, eu tive que
buscar uma guitarra mais swingada, mais funkeada.
Z: O que mais passaram a ouvir para formarem esse novo som da Veia
Sônica?
R: Desde James Brown ao Jazz e Blues americano, principalmente, que
são coisas que você ouve aqui e ali para se divertir e não para estudar.
G: Nesse tempo eu ouvi muita música brasileira, Paulinho Moska,
Lenine, Otto... Gosto muito do som do Lenine, gosto muito do som do Otto; e
coisas americanas também, como Foo Fighters.
R: Cada integrante da banda tem influência diversa. Então, antes eu
gostava da música instrumental em si. Aí quando a proposta do segundo CD se
apresentou para nós eu disse ‘Não, o que eu faço não vai por aí, vou ter que
procurar uma coisa mais simples e buscar algo mais ‘timbrístico’, mais
qualidade de som do que algo propriamente virtuoso’.
Z: Numa banda reduzida é mais fácil se ouvir cada instrumento...
G: Tem um frase, que eu não lembro qual baixista disse que ‘Num
power trio não há lugar para se esconder’. No
place to hide...
Z: Há uma preocupação da banda em encontrar uma característica
sonora?
G: Temos uma preocupação com tudo, ou seja, temos a preocupação com
a qualidade do som, com o timbre, com a dinâmica. Nós sempre buscamos, estamos
sempre lendo. Então, quando decidimos ser um power trio nós fomos estudar sobre
como deve ser o som de um power trio, não há nada na vida que se aprenda sem
estudo.
Z: Onde foi gravado o primeiro disco?
G: Foi gravado num estúdio aqui em Teresina, que não existe mais. O
segundo disco foi gravado no estúdio do Miel e remasterizado no Midas Estúdio,
do Rick Bonadio. O próximo CD queremos gravar inteiramente fora. No Rio ou São
Paulo, provavelmente São Paulo.
Z: As músicas já estão prontas?
G: Temos composições para mais dez CDs, mas sempre acho que a
composição de amanhã vai ser melhor que a de ontem. Em material não há falta,
pois sempre estamos nos inspirando, sempre compondo.
Z: Sobre os clipes, como se deram esses clipes?
G: O primeiro clipe é de 2006, se não me engano “Fazer o
impossível”.
R: Inclusive, nesse segundo trabalho, vimos como realmente essa
música é conhecida. Pensávamos que ninguém conhecia a música.
G: Quando voltamos, pensávamos que ninguém mais se lembrava de nós.
Z: Houve esse reconhecimento? Vocês perceberam isso?
R: Sim.
G: Foi uma música (“Fazer o Impossível”) que tocou bastante na
época, tocou muito na FM Mais, o César Filho que deu uma força para nós;
tocamos no Piauí Pop e, para a minha surpresa, as pessoas se lembraram. Quando
você atua numa mídia diferente, como em clipes, cada um percebe a música de um
jeito, e o clipe passa outra informação. Há músicas que você gosta do clipe,
ele atinge a pessoa de outra forma. Nesse novo trabalho fizemos dois clipes, um
que é pelas ruas de Teresina; e o outro é uma animação.
Z: Em relação ao material em si: sabemos que há um custo muito alto
para produzir e gravar um CD, um material bem produzido, com encarte, e o fato
de não se ter dinheiro para pagar um bom profissional. Compensa todo esse
investimento?
G: Financeiramente não compensa. Eu sustento a banda com a
medicina, a minha outra profissão. Se fosse pela banda nós jamais teríamos
gravados os CDs, por exemplo. Infelizmente, a música autoral no Piauí não se
sustenta. Tiro até o chapéu para alguns artistas daqui que mantêm um trabalho
de boa qualidade e sempre batalhando com a música, mas o investimento, se você
quer fazer uma coisa padrão nacional, com o que você recebe no mercado local é
impossível.
Z: É por isso que alguns artistas conhecidos e queridos aqui que
foram para fora não ficaram por lá?
R: Provavelmente.
G: Olha, não sei bem a razão disso. Aqui há músicos que poderiam
fazer sucesso em qualquer lugar, mas a arte é uma coisa imprevisível, não é
matemática, e exemplo disso é que grandes artistas morreram na miséria. Então,
a arte não era algo tangível, ela também é um produto, e esse produto pode ser
excelente, mas se ele não for vendido, entregue ao público, ele some.
Z: A preocupação é maior em produzir arte ou produzir algo para
vender?
G: Meu objetivo é produzir uma música que me agrade e agrade a
banda. Se pensarmos em retorno financeiro no Piauí, na atual conjuntura do
mercado, vamos parar hoje com a banda. Não coloco a nossa música nesse patamar,
pois quem deve dar esse patamar é quem a ouve. Se for arte porque é música,
então, é arte; mas sem essa ideia de dizer: ‘Estamos produzindo um trabalho
conceitual artístico ou coisa assim e assado’.
R: A ideia da sua pergunta vai para a característica da música que
a agente faz. As influências diversas e a visão macro acabaram por nos levarem
a uma música mais universal. A linguagem nos leva a crer que nossa música pode
ser tocada sem ser rotulada. Se você simplesmente ouvir, acredito que você vai
dizer se é uma música agradável ou não.
Z: É o caso de bandas que produzem material em inglês. Talvez elas
estejam buscando essa visão universal.
G: Olha, falo inglês com fluência, mas me recuso a cantar em inglês
se não tiver um propósito específico. Por quê? Acho que deve haver uma verdade
naquilo que você canta. Acho que, em primeiro lugar, deve-se falar inglês com
fluência ou corre o risco de ficar algo caricato.
Z: Com todo esse trabalho, toda essa dificuldade, essa coisa que
não muda no cenário, a música ainda assim compensa?
G: Se amanhã acabar a energia elétrica eu vou fazer música num
violão; se acabar o violão, vou batucar uma colher em um prato. A música é pela
música mesmo. Eu não escolhi a música, ela me escolheu, ela faz parte da minha
pessoa. Então, para mim, a música sempre compensa.
R: Todo artista tem que acreditar no trabalho que está fazendo.
Como? Se seu foco é vender ou produzir algo que poucos gostem, então você tem
que acreditar nisso. E isso deve refletir na sua originalidade, que isso
aparece na música, no jeito de cada instrumento, com alguma característica
peculiar, sua. Você tem que acreditar que o que você está fazendo, ninguém vai
fazer melhor do que você.