domingo, 29 de março de 2015

RESENHA: QINHO – ÍMPAR

Terceiro álbum do músico carioca tem força e personalidade suficientes para alçá-lo ao primeiro time da MPB (a menos óbvia, diga-se) e caírem no gosto popular.

Capa
Ano: 2015
Número de faixas: 12
Duração: 27:48
Gênero: MPB, Rock alternativo














Apesar de Marcos Coelho Coutinho, a.k.a. Qinho, já ter mais de dez anos de serviços prestados à música (ele comandou a banda Vulgo Qinho & Os Cara entre 2004 e 2009), só soube da existência do dito cujo há pouco mais de dois anos. É que, nessa época, foi lançada uma coletânea-tributo ao Caetano, o Veloso. E lá, no meio de gente como Devendra Banhart, Mutantes, Magic Numbers, Céu, Beck, Marcelo Camelo e Jorge Drexler (entre outros pesos pesados), tava um tal de Qinho, fazendo uma versão bem suingada de “Qualquer Coisa”. Gostei tanto que fui cavoucar atrás de mais músicas do rapaz.

Daí, vi (e ouvi) que até aquele momento o sujeito já tinha soltado dois registros fonográficos: Canduras (de 2009), com aquele jeitão bem voz e violão tão inerente ao que se entende por MPB desde que o mundo é mundo; e O Tempo Soa (de 2012), esse sim um trabalho mais interessante ao anterior, com participações de Elba Ramalho e Mart’nália, e que trazia certa personalidade nas composições (vide “Macia Bahia” ou “Morena”, por exemplo), cheias de balanço, de molejo, nos levando a fazer aqueles exercícios de abstração bizarros, tipo “numa realidade alternativa, Jorge Ben meets Gonzaguinha e resolvem fazer um disco com pegada black”. O Tempo Soa é mais ou menos por aí, e o tempo ainda vai fazer justiça a esse disco, que merece muito mais atenção do que teve.

Só que agora, em 2015, Qinho potencializa ainda mais sua criatividade e qualidade de composições e interpretações no seu novo disco, o surpreendente Ímpar. O que nos enche os olhos (e ouvidos... e coração) em Ímpar é o apelo que cada uma das canções traz consigo, o que não significa que tais músicas sejam de qualidade duvidosa. Muito pelo contrário. Bem distinto dos seus trabalhos anteriores, que se paltavam na tabelinha entre guitarra e violão para guiar as composições, aqui Qinho faz mais uso de sintetizadores, batidas eletrônicas e programações. Claro que os instrumentos de seis cordas continuam presentes, mas eles agora não carregam tanta responsabilidade na criação e desenvolvimento das canções.

“Era Bem Misterioso” – na verdade, um trecho de “Clara dos Anjos”, obra de Lima Barreto – que abre o disco, traz a voz de Clara Maria (esposa de Qinho) declamando “Era bem misterioso esse seu violão / Era bem um elixir ou talismã de amor”, de forma mântrica e hipnotizante. Em seguida, “O Peso do Meu Coração” (que ganhou um ótimo videoclipe) dá mostras de um Qinho amadurecido e calejado da vida: “Você não é quem você pensa que é / Você não tem quem você pensa que tem”, ele dá o recado. Em seguida, “Mundo de Marlboro” faz crítica à cultura da ostentação e aos ônus que ela exige, numa tecladeira nunca antes ouvida numa música de Qinho. Depois, vem “Sweet Trouble”, em inglês (a única do disco), e haja sinths nervosos. “Multidão de Ninguém”, a quinta faixa, traz a voz de Qinho cheia de efeitos, mas nem por isso menos interessante. “Um Romance” – trecho de “O Livro do Riso e do Esquecimento” de Milan Kundera – que encerra a primeira parte de Ímpar, vem com a voz de Clara Maria de novo, dessa vez declamando “Este livro todo é um romance / Um romance em forma de variações”.

A segunda parte do disco começa com o soul gostoso “Pode Querer”, a talvez mais romântica-sensual-lovefucksong brasileira deste 2015: “[...]mas se você quisesse ser minha / Eu seria sua cama, sua fome, sua botica / Sua língua, o teu pivete, cafajeste / Sem esconder, só eu e você”. É ou não é pra partir pro abraço depois dessa, negrada? Mandem os seus pares ouvirem essa que mais tarde tem, podem apostar. Há ainda bons momentos, como “Sem Errada”, “Sabotagem” e “Toda Manhã”. E ainda há espaço para a instrumental “Do Além” e para “La Rue”, cantada em francês. Em suma, Impar pede, sem fazer esforço, para ser seu disco de cabeceira por um bom tempo.

O disco tem uma vibe única, talvez sem paralelo entre outros trabalhos de artistas contemporâneos brasileiros. Claro, há um quê disso e daquilo aqui e ali. Mas Qinho o faz com tanta propriedade e personalidade que você logo se pega naquelas indagações tipo “hm... acho (acho) que já ouvi isso antes” ou “como essas músicas podem ter sido lançadas agora se tenho a sensação de conhecê-las há tempos?”. Bom, quando um punhado de canções desperta tais sensações no ouvinte, duas coisas ficam claras: qualidade inquestionável e atemporalidade. O que pode indicar que ainda ouviremos falar bastante de Qinho e seu formidável Ímpar. Porque suas canções têm força suficiente para isso e invadirem o dial.

Nota: 8,6.
Pra quem gosta de: Leo Cavalcanti, Pipo Pegoraro e Castello Branco.

Por Diógenes Rodrigues