terça-feira, 3 de março de 2015

MIOLO DE PÃO: Doe sangue, algo, ou não sei o quê...



Há mais de uma década eu já tinha uma banda de rock favorita aqui de Teresina. Gostar, curtir, uma banda significava comprar discos, cantar letras, usar camisas personalizadas e, principalmente, ir aos shows, seguir a banda tocando nos bares e teatros da cidade. Presenciei o nascimento de algumas boas bandas de rock daqui, vi outras que ficavam pelo caminho ou que mudavam de nome e integrantes, mas sempre me permitia ir aos shows, ver uma ação em palco, a performance, o som distorcido de guitarras e o público, entre amigos e conhecidos de aceno, dispostos a ouvir e ver aquela banda tal ou qual. 

Se era pago ou zero oitocentos não importava, o público estava lá. Chegávamos aos shows e na portaria estava aquele pandemônio com camisas estampadas com slogans: Guns N’ Roses, Iron Maiden, Sepultura, AC/DC e outras tantas bandas; mas o público estava lá. Estava porque queria ver uma banda tal ou qual, a banda favorita e só por isso enfrentava distâncias, que não são tão extensas assim para nossa Teresina, enfrentava chuva até e, com certeza, o Corujão das duas da madrugada, em frente ao Pão de Açúcar da Frei. Infelizmente, não consigo mais ver isso e me pergunto: Você tem sua banda de rock favorita aqui de Teresina?

 Fui a um evento no último fim de semana, o Garagem Sound. Um show produzido por um cara idealizador, que também é produtor e organizador do Movimento Autoral Rock. O que eu poderia esperar? Quatro bandas autorais - uma delas podia ser a sua favorita - tocando ao valor de ingresso de dez reais, um valor que, por si só, não paga a casa nem os músicos, nem iluminação e nem nada; um valor irrisório. Na portaria não vejo mais um pandemônio com slogans. Na verdade, não vejo ninguém. Um show feito para cem, mas eram vinte pessoas apenas. 

Ver show do Obtus é uma experiência que afeta alguns sentidos: visão, audição e percepção. É expressão, atitude e ideal. O show começa com o visual harmonioso e termina com as camisas jogadas ao léu, o dedo médio em riste. Não é estereótipo, vindo do Obtus nunca é. Uma banda com vinte anos de estrada, Hardcore puro; quatro integrantes, hoje velhos de idade, já pais e avós, não querem saber se há uma ou duzentas pessoas, eles tocarão mesmo assim, músicas como “Sangue no Olho” e “Beco Sem Saída”. É muita ação no palco, uma pitada de discurso e postura política e moralismo. O Óbtus é uma banda referência em independência e sonoridade Piauí a fora. 

Uma revelação para mim foi ver ao show da banda Fronteiras Blues. Muito já se falava dessa banda: músicas de blues/rock, caras talentosos, estilosos, ao som rasgado - herdado - das lendárias bandas dos anos 60 e 70. Descobri que não é só isso. O Fronteiras é um quinteto como muitas bandas de Hard Rock aí pelo mundo: uma guitarra base, modelo ES 335, segura uma base para que outra, com som cristalino da Strato, toque alguns solos muito contagiantes; uma bateria rítmica, compassos ¾, acompanhada por uma marcação forte e pesada do baixo, segurando uma 7M para caracterizar um baixo blues. Isso é o que faz o som dessa banda, com letras que falam de problemas do cotidiano e questões sociais, também uma pitada de política e moral. No palco, o vocalista é uma encarnação. Conhece todas as marcações, compassos e pausas das músicas, e usa isso para dar um show de expressão corporal, a exemplo de outros frontman como Jagger, Plant e, principalmente, David Coverdale, sua encarnação. Não há como não tecer comparações, porque é evidente que ouviam o melhor para criarem suas composições com o melhor também.  

Agora, o que não entendo é o porquê de pouca gente comparecer aos shows. É o valor do ingresso? Não. O valor é irrisório, como já foi dito. O local é distante? Não. Teresina é uma cidade pequena, onde é possível se locomover facilmente. Então, não diga que não vai ao show porque é distante, longe, sei lá. Longe é o pico do Everest, meu amigo e, acredite, muita gente ainda vai por lá. Nessa noite, ouvi as músicas de boas bandas - uma delas pode ser sua favorita - e, decepcionado, vi um público de gatos pretos pingados. Eu ainda tenho minha banda de rock favorita e vou aos shows, sempre que posso, porque dou meu sangue por isso. Você ainda faz o mesmo?

Por Diego Noleto