quinta-feira, 16 de julho de 2015

ENTREVISTA: Banda B.R.316

Na terra onde reinam as bandas de ‘forró de plástico’, uma guitarra de som cristalino e barulhento, uma gaita endoidecida por expressão, um baixo que destila uma melodia quieta e uma bateria malemolente fazem um som diferente do que se costuma encontrar num fim de semana agitado de Teresina. Se caminhamos mais adentro da cidade, nos bairros periféricos, encontramos música de qualidade acontecendo na capital: os rapazes da banda B.R.316. Sid Vítor, Mário Eugênio, Jardel de Castro e Antão Nunes receberam a Zaboomba nos confins do bairro Saci, num calor de queimar o juízo, para desabafarem sobre o blues que fazem em Teresina, as oportunidades dentro do âmbito musical e o primeiro CD, que com muito investimento, chega no mais tardar (mas não nunca!!) deste ano! 


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Zaboomba: Vocês estão com uma formação nova hoje, não é? O que foi essa mudança? 

Vítor (vocalista e guitarrista): A banda já passou por várias formações. Começou comigo, o Mário Eugênio na gaita, Ramon Rodrigues no baixo, e o outro Ramon, Ramon Nunes, que toca no Neandhertais, no vocal e o Acemir Mendes, que foi o primeiro baterista. Em seguida, mudou o baterista, o Acemir saiu, entrou o Ítalo Carvalho e depois saiu o Ramon (baixista) e entrou o Antão Nunes, que é o baixista atual. Depois saiu o Ítalo e entrou o Jardel de Castro na bateria, que está até hoje. 

Z: Contando com todas essas formações a B.R. já tem quanto anos? 

V: É de 2009. Em 2009 nós começamos. Tivemos o nosso primeiro show no Teresina Capital do Rock, evento que o Edvaldo Nascimento organizava. Foi o nosso primeiro evento. 

Z: No primeiro show vocês lembram o que tocaram? Foram músicas autorais? 

V: Nós tocamos algumas músicas autorais porque já vínhamos produzindo e metade cover. Foi um show ruim pra caralho, porque não tínhamos experiência com blues, estávamos em fase de adaptação. 

Mário (gaiteiro): Estávamos criando uma identidade ainda.

Z: Vocês disseram... O Vítor disse que já produziam algumas músicas na época. Quem produzia? 

V: Eu chegava com uma ideia principal e mostrava aos meninos ‘Olha, tem isso aqui, então coloca a tua parte, vê como fica melhor’. O Mário encaixava uma gaita e cada um fazia a sua onda. 

Z: Essa questão da identidade é importante. A B.R.316 hoje tem uma identidade, mas vocês já tocaram uma série de influências. Mas hoje vocês tocam um blues mais clássico, mais enraizado. Como a banda chegou a essa identidade de hoje? 

V: A princípio a ideia era de tocar blues mesmo, mas não ficar preso à vertente original e sim tentar inovar, colocar outras perspectivas de rock’n’roll, de coisas anos 60, a influência do Hendrix que a gente tem, de Stevie Ray Vaughan. 

M: Eu acho que a B.R. também tem um pouco de violência, na questão do blues, porque nós pegamos o que já fizemos de música e jogamos tudo num liquidificador. O Vítor tocou punk por muito tempo, eu tive uma banda que também tocava punk. Juntou tudo isso e deu essa B.R. de hoje. 

V: Um blues mais puxado, mais intenso. 

Z: Como a gente caracterizaria o estilo mesmo da B.R.316? 

V: Blues rock. Porque se vocês forem pensar numa perspectiva de blues, ele deixou de ser comum, o blues que todo mundo conhece, depois que saiu das lavouras e foi para a cidade. Colocou-se mais instrumentos, deixou de ser aquela coisa clássica. Essa foi a parte que pegamos, essa parte mais urbana do blues, que pega mais rock’n’roll. No entanto, demos a ele uma identidade nossa. 

M: Não houve uma conversa pra dizer que o nosso som seria de um jeito, apenas amadurecemos a ideia. O Vítor chegava e lapidávamos aquilo tudo dentro do que já havíamos feito antes artisticamente. A linguagem da B.R. nasceu assim. 

Jardel (baterista): Ainda hoje está em mudança, temos músicas que misturam ritmos como a “Samba Blues”. 

Z: E como está o material musical de vocês? 

V: Bom, temos alguns vídeos, nada profissional, como eu gostaria que já tivéssemos. Às vezes falta uma oportunidade, é difícil você conseguir desenrolar as coisas aqui, é tudo caro, é muito caro pra você fazer qualquer tipo de produção, seja CD, vídeo, qualquer material de divulgação. Então, o que temos levado mais a sério até agora é o trabalho do CD, que eu acho que agora em 2015 já sai. Já gravamos tudo, só está em processo de mixagem agora, masterização, já tem o dinheiro para prensar. 

Z: Onde é feito o trabalho de gravação e mixagem? 

V: Bom, gravamos com o Sandro Sertão. Ele tem sido um fomentador de cultura aqui em Teresina. Ele tem dado essa força pra banda. O resto fomos nós, recebemos uns cachês muito bons, foi um investimento. Teresina é foda pra você fazer um trabalho como esse, porque se não for do seu bolso é muito difícil de conseguir algo, tem que ser um bom show pra conseguir bons cachês. 


Arquivo pessoal


Z: Por falar em cachês, só se associa bons cachês a bons shows, como vocês falaram, e vocês já participaram de vários e bons festivais como o Barra Jazz (Barra Grande), I Fell Black (São Luís). O que vocês acham de participar de grandes festivais? Compensa pra uma banda? O dinheiro é bom? 

V: É uma experiência importantíssima, almejávamos isso ainda no início da banda. Melhoramos o trabalho com os anos, pegamos mais entrosamento, fizemos um trabalho mais responsável. Então, as oportunidades, esses festivais, apareceram. 

Z: E os entraves, as dificuldades, de se participar desses festivais tanto aqui em Teresina quanto fora? 

V: Primeiro você precisa ter algum material, registro, ou algum nome, digamos assim. Você precisa ter algo que lhe faça ser visto, pra poder estar nesses festivais. Nem sempre é panelinha. Se você não tiver trabalho, algo que possa ser usado como argumento, fica mais difícil de entrar. Então, no nosso caso foi muito empenho. 

M: O Vítor também tem mérito, ele é um cara bem articulado. 

V: Temos que correr atrás. 

Z: Com esse tempo todo, nesses cinco anos, vocês acham que já têm um reconhecimento? 

V: Acredito que sim. O reflexo disso se dá através dos shows. Não é lá aquela coisa toda, mas tem um pessoal que comparece. 

Z: Vocês acham que tem público para bandas de blues? Porque nós vemos bandas como Validuaté, Narguilé Hidromecânico, Roque Moreira com os shows sempre muito lotados, quando na verdade, o blues passa muito longe dessas bandas. 

V: Sempre foi tocado nesse ponto. Se o blues tem algum reconhecimento aqui em Teresina, eu acredito piamente que tem! O que não tem é muito evento. E isso não é só em relação ao blues, a cidade em si não tem muita cultura em relação à música. Às vezes se organiza um festival de graça e tem pouquíssima gente, ou seja, não se reduz só a blues. 

M: E existem bandas de blues que lotam seus shows, por exemplo, o André de Sousa, tinha a Clínica Tobias Blues que lotava os seus shows. 

Z: Quando se fala nessa questão de ter público associa-se à questão dos espaços em Teresina. Aqui ainda existem poucos festivais ou quase nenhum. Temos alguns que são representativos na música, como o Chapadão, que é um festival, mas de competição. O que vocês pensam em relação a esses festivais aqui? 

V: Pra blues a cidade teve alguns bem importantes, que trouxeram bandas internacionais. A B.R. 316 abriu o show de um cara chamado Jimmy Burns, um bluesman de Chicago. Dividimos, literalmente, o palco com ele. Foi uma coisa muito boa pra nós. Foi um festival muito massa, que ocorria sempre aqui em Teresina, que era chamado Oi Blues By Night. 

M: E aí volta àquela pergunta de vocês, sobre o público do blues. Nesse evento, sempre contávamos com muita gente. 

Z: Mas será que não era por ser um evento a nível nacional/regional? 

M: Talvez sim, mas eu prefiro acreditar que ali tinha gente que foi por conta do som, porque gosta de blues e não por conta de conhecer o artista, enfim. 

V: Por exemplo, eu não conhecia o Jimmy Burns, conheci através do festival. Aí já dei uma pesquisada nele. Ele é muito conhecido em Chicago, mas muitas pessoas aqui não o conhecem. Eu mesmo que mexo com o blues não o conhecia na época. 

Z: O Fernando Noronha também tocou nesse festival, não foi? 

V: O Fernando Noronha eu já conhecia, porque eu nunca fui de escutar blues só de fora. Aqui no Brasil tem uma cena muito forte de blues, eu tenho contato com gente de todos os estados, tem gente fazendo um trabalho e é considerado, enche casas de shows. Acho que Teresina está engatinhando pra isso, não só pra blues. 

Z: Mas Teresina não engatinha já há muito tempo, não, em relação a isso? 

V: Mas não podemos desistir. Se desistirmos, vai a zero. 

M: Quanto a isso são muitos fatores, inclusive a não organização, não de uma banda só, mas a organização entre bandas. O Nildo, que foi um cara que tocou com a gente por um tempo, disse que onde ele morava existia esse tipo de desarticulação, mas aí as bandas decidiram se unir. 

Z: Outros músicos e bandas sempre tocam nesse ponto quando os entrevistamos, a desunião entre os músicos e as bandas. É o maior problema da música do Piauí ou existem problemas maiores? 

V: É um dos problemas grandes. Tem o problema da gestão, que é muito mal levada, as fundações daqui poderiam alavancar. Na gestão cultural que temos aqui, como Fundac e Monsenhor Chaves, não por uma pessoa em si, mas pelo conjunto de quem está dentro dessas fundações, falta muita organização. 

Z: Muitos músicos e bandas são desfavorecidos em festivais como o Chapadão. Para vocês, a que se deve isso? 

V: Como sabemos que é um festival de competição, ali há jurados, três ou quatro pessoas, e cada um com uma perspectiva musical diferente. Acho que interpretação de geral. Então, eu posso ter ido muito bem e outro se saído muito ruim, mas são quatro pessoas julgando ali. 

M: É difícil dizer, depende muito daquelas pessoas que estão em nossa frente, o gosto é muito subjetivo e talvez alguma coisa para mim tenha sido muito boa quando para eles não foi. 

Z: Sabemos que há mesmo uma burocracia nesses festivais ou eventos, é preciso apresentar uma demo, como no Teresina É Pop, Boca da Noite etc. Vocês acham muito burocrática essa maneira de classificação? 

V: Existe essa burocracia e eu acho, inclusive, que é necessário ter essa burocracia. O que é de mais necessidade é uma análise melhor do material recebido. Eu já presenciei situações como “Vai dar certo. Coloque lá o material”. E deu certo. Entendeu? Não é porque eu acho, não é achismo, eu vi.   

Z: E quanto a outras atividades da banda? Muitas bandas têm outras atividades, muitos músicos não vivem somente de música. Vocês trabalham somente com música? 

V: A gente vê isso em todos os lugares. Às vezes a banda faz o maior sucesso, mas fulano trabalha com outra coisa também.  

M: Eu acho que isso é uma tendência, por vários motivos. Às vezes é muito fácil produzir um disco; mas outras vezes, não. Eu e Vítor somos professores, o Jardel trabalha como ator e o Antão é advogado.  

V: A pessoa para trabalhar hoje somente com música em Teresina, na nossa realidade, precisará se virar em dez e tocar tudo que quiserem. 

Z: Mas há músicos aqui em Teresina que vivem somente de música e não necessariamente tocando na noite. 

V: É como falei, se transformam em dez. Dão aulas de música, tocam em várias bandas. 

Z: Dá ou não dá para viver de música em Teresina? 

V: Dá! Mas é ralação, muita ralação. 

Z: E o que vocês têm a dizer em relação ao ensino de Música nas escolas? Que hoje é obrigatório, embora não praticado. 

V: Eu me lembro de uma norueguesa que conheci, ela disse ‘Rapaz, no meu país, com três anos você já tem que começar a estudar um instrumento e tem que aprender’. Aqui o atraso é muito grande, agora que aprovaram isso aqui. E a música desenvolve a capacidade cognitiva da pessoa e é cultura. Fora a questão de aprender a tocar um instrumento, o ensino de Música fomenta a cultura do local de onde vem aquele gênero musical ensinado. 

M: Se fosse algo levado realmente a sério, isso seria bom até para o próprio cenário musical daqui. Haveria mais profissionais, mais gente preparada no mercado. Só geraria benefício para a música local em si. 


Arquivo pessoal


Z: Muitas pessoas dizem que o cenário musical teresinense está se acabando. O que acham dessa afirmação? 

J: Eu acho que está se transformando, eu não diria acabando. 

V: Há épocas de altos e baixos, mas sempre ficam as bandas que levam a coisa com mais seriedade. 

M: Não é um definhamento. Teresina às vezes tem bandas na crista da onda. 

V: Em Teresina é tudo muito cíclico. Um tempo se falava só em reggae; em outro, só em blues. Quando existia o Canteiro de Obras, sempre tinham festas de blues ali. Acho que a galera precisa fazer um trabalho de responsabilidade, se dedicar mais à música.