sábado, 28 de fevereiro de 2015

JAIR NAVES – TROVÕES A ME ATINGIR

Segundo disco do Artista (com A maiúsculo mesmo) mostra-se uma obra rabuscada e palatável ao mesmo tempo.


Capa
Ano: 2015
Número de faixas: 9
Duração: 44:10
Gênero: Rock Alternativo, Pós-Punk, MPB














Acompanho o trabalho do brasiliense (radicado em São Paulo) Jair Naves desde que ele liderava o Ludovic – seminal banda de letras pungentes que promovia uma cruza de Sonic Youth com Joy Division e que atuou no cenário paulistano em meados dos anos 2000. Dor, angústia, autoindulgência e muitas, muitas guitarras faziam parte do repertório da banda, que tinha músicas com títulos como “Você Sempre Terá Alguém a Seus Pés” e “Janeiro Continua Sendo o Pior dos Meses”, por exemplo. Após lançarem dois discos, os excelentes Servil (de 2004) e Idioma Morto (de 2006), a banda chegou ao fim.

Mas Jair não parou por aí. Lançou-se então em carreira solo, estreando com um EP chamado Araguari (lançado em 2010 e que era inspirado no caso dos irmãos Naves, no qual dois irmãos foram presos e barbaramente torturados até confessar sua suposta culpa em um crime que não cometeram). Bem recebido pela crítica, Araguari foi um trabalho que preparou o público para o primeiro disco cheio de Jair, de título extenso, e que dava uma boa ideia de seu conteúdo, olhem só: E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando a Fuga, Cavando o Chão com as Próprias Unhas. Lançado em 2012, recebeu muitos elogios e acabou recebendo o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) na categoria "revelação", além de figurar em diversas listas de melhores álbuns daquele ano. Mal sabíamos que o melhor ainda estava por vir. E veio, na forma de uma obra-pima: o belo (em todos os sentidos possíveis) Trovões a Me Atingir, lançado no início de 2015.

Gravado por meio de um projeto de financiamento coletivo – que arrecadou exatos R$ 31.315 e contou com a ajuda de 323 apoiadores – Trovões a Me Atingir traz Jair no auge de sua forma, seja de cantar, tocar ou compor. A voz grave, a visceralidade das letras, as belas passagens instrumentais... Todos os elementos que fazem de Jair um dos melhores compositores de sua geração estão aqui. Só que de forma melhorada. Se seus trabalhos anteriores (seja à frente do Ludovic ou em carreira solo) eram tidos como “difíceis”, Trovões a Me Atingir é bem acessível, trazendo músicas que apesar de ter uma estrutura incomum (típico da obra de Jair), logo grudam na mente. O que pode ter contribuído pra isso foi a presença de uma série de convidados, que colaboram em várias faixas: Bárbara Eugenia, Guizado, Beto Mejia (Móveis Coloniais de Acaju) e Camila Zamith (Sexy Fi).

O disco começa com o rockão “Resvala”, dando a impressão de que o restante da obra seguirá com essa pegada forte. Ledo engando, porque em seguida a belíssima “5/4 (Trovões Vem Me Atingir)” nos conquista de imediato, graças ao contraste entre o vozeirão de Jair e a melodia pop da música. Sem falar no tom confessional da letra: “Eu sou seu companheiro / Eu me dei por inteiro/ Quem não se entregaria em meu lugar?”, diz um dos versos. “Estranha combinação, nós dois / A irracionalidade da paixão / Nem sinal de razão / Eu sou todo coração”, ele canta, expondo sua, argh, “sofrência”. 

“Incêndios (O Clarão de Bombas a Me Atingir)” também é candidata a hit e faz questão de dizer que esses sentimentos dolorosos não são exclusividade de Jair: “O conselho mais sábio / Que já endereçaram a mim: / Não se sinta solitário / A sua angústia é a de tantos por aí”. Em seguida vem “B.”, com a voz Bárbara Eugenia e bem pontuada pelo trompete de Guizado.

Situada estrategicamente no meio do disco, a intimista “Prece Atendida” é o momento mais calmo da obra, trazendo um belo trabalho de cordas. Porque depois o disco volta a toda com as ótimas “Em Concreto” (que faz lembrar os tempos de Ludovic) e “Deixe / Force”, um belo tratado sobre confiança e aceitação: “Deixe o medo morrer / Deixe o sangue ferver / Force o mundo a aceitar você / Não é um delírio”. Por fim, “No Meu Encalço” e “Um Trem Descarrilhado” (com belos teclados e backing vocals) encerram dignamente o disco.

Fã de gente do naipe de Bob Dylan, Velvet Underground, Joni Mitchell, Smiths, Black Flag e Rufus Wainwright, entre os gringos; e de Caetano Veloso, Walter Franco e Mundo Livre S/A, entre os nacionais, Jair Naves conseguiu com Trovões a Me Atingir trazer um pouquinho de cada um dos seus heróis. As referências estão lá, espalhadas ao longo do álbum, é só procurar.  Torço muito para que este trabalho atinja o maior número de pessoas possível. Num lugar onde a banda Malta (quem?) vende mais de 200 mil cópias de seu sofrível disco (o melhor desempenho de uma “banda de rock” nos últimos 15 anos no Brasil), com músicas insípidas e que caem no esquecimento com poucas audições, por que não dar ouvidos a um dos grandes artistas do cenário independente nacional? Além de grande cantor e músico, o cara é um senhor letrista, não fazendo feio a outros de gerações passadas, como Cazuza ou Renato Russo, sem exagero. Com 35 anos recém-completados, talvez tenha chegado a hora do rapaz ser um dos responsáveis por salvar o rock nacional, ao lado de gente como Boogarins, O Terno, Baleia e Bruno Souto. Talento e qualidade ele tem para tanto.
                                                                                                                     
Nota: 8,7.
Pra quem gosta de: Quarto Negro, Lupe de Lupe e Violins.


 Por Diógenes Rodrigues